terça-feira, 24 de setembro de 2013

Gary Klein e a importância da intuição


O líder de uma equipe de bombeiros entra numa casa em chamas e manda a equipe iniciar os trabalhos. Ao direcionar a água da mangueira principal na direção do fogo localizado na cozinha, ele nota algo estranho: o fogo não diminui, e até parece aumentar. Ele e sua equipe recuam por alguns segundos, e então o líder decide ordenar a saída imediata da equipe sem que o fogo tenha sido contido. Poucos segundos depois o piso da casa desaba e é engolido pelo fogo que estava concentrado no porão.

(Adaptado da descrição de uma situação real feita por Gary Klein em seu livro "Sources of Power: How People Make Decisions" .

 

Gary Klein
 
Gary Klein afirma em seu livro que a intuição depende do uso da experiência para o reconhecimento de padrões relevantes que indicam a dinâmica de uma situação. O líder dos bombeiros na situação acima se baseou em sua experiência para detectar uma série de inconsistências naquela situação, como:

 

·         Apesar de não saber da existência do porão, assim que o fogo não reagiu como esperado ele começou a imaginar (ou seria intuir?) porque o fogo não reagiu conforme esperado (ausência de um padrão esperado).

·         O ambiente na sala estava muito mais quente do que o esperado no caso de um pequeno incêndio na cozinha de uma residência.

·         Estava tudo muito quieto. Incêndios são barulhentos, e para um incêndio com tal quantidade de calor ele esperava muito mais barulho.
 
O padrão observado não se encaixava com a percepção inicial. Suas expectativas não se confirmaram, e o líder de bombeiros percebeu que não sabia exatamente o que estava ocorrendo e por isto ordenou a evacuação.

O mais curioso é que quando Gary Klein entrevistou o líder dos bombeiros este atribuiu sua decisão a uma espécie de “sexto sentido”, necessário a todo bom líder deste tipo de profissionais.

Klein desenvolveu a partir destes e outros estudos um modelo de processo decisório que ele chamou de modelo de tomada de decisão baseado em reconhecimento inicial (minha tradução para a expressão original em inglês, que é recognition primed decision making model), daqui para a frente chamado de RPD (expressão cunhada por Gary Klein).

O modelo RPD identifica como possível resposta a um processo decisório a primeira alternativa considerada. A partir desta alternativa o decisor:

·         Verifica se, com base em seu conhecimento e experiência, a alternativa é plausível. Caso não seja ele deve buscar uma segunda alternativa e reiniciar o processo.

·         Caso a alternativa faça sentido, ele avalia seus impactos no processo com base na imaginação, considerando qual deverá ser o curso de ação caso a alternativa seja implementada. Quando descobre uma falha ele abandona a alternativa e passa a buscar outra.

Em outras palavras, no modelo RPD decidimos optando pela primeira alternativa viável, ao passo que nos modelos tradicionais decidimos buscando a melhor alternativa dentre várias levantadas, e portanto em geral o modelo tradicional é mais demorado. Por outro lado o modelo RPD se baseia fortemente na intuição (na visão de Klein) ou no Sistema 1 (na visão de Kahneman), e portanto pode muitas vezes induzir ao erro. Por isto recomenda-se o uso do modelo RPD nas seguintes condições:

 
1.    Somos experts no domínio de conhecimento em cima do qual a decisão precisa ser tomada. E por expert aqui estamos falando em alguém que possua vários anos de experiência na área e neste período tenha vivenciado uma grande diversidade de situações semelhantes e aprendido com elas.

2.    A decisão precisa ser tomada quase que de imediato, do contrário o custo de não escolher e agir pode ser muito alto.

Pesquisas de Gary Klein demonstram uma distinção crítica entre especialistas e iniciantes quando colocados diante de situações recorrentes: especialistas decidem rapidamente porque conseguem associar a situação atual com alguma situação passada por eles vivenciada, ao passo que iniciantes, não contando com este recurso, precisam analisar diferentes alternativas em busca de alguma que resolva a questão, e por não possuírem experiência real muitas vezes precisam recorrer a um processo de tentativa e erro.

Quanto maior a pressão da situação menos importante passa a ser a melhor alternativa (que mesmo com base em métodos de decisão tradicionais possui um componente subjetivo), e mais importante passa a ser uma alternativa que resolva a situação, qualquer que seja esta.

Mas e se em um projeto com vários pontos de decisão de alta criticidade não pudermos contar com experts nos momentos de decisão? Klein tem uma possível resposta para isto, que é desenvolver um programa de treinamento baseado em situações reais, de forma a “acelerar” o processo de aprendizagem, algo que vários cursos de MBA adotam através do uso de jogos empresariais. E isto não é tão inovador assim, afinal há vários anos astronautas são treinados em simuladores antes de partirem para missões espaciais de verdade. Devemos ainda sempre buscar analisar posteriormente a qualidade das nossas decisões, realimentando o processo de forma a melhorar cada vez mais a qualidade de nossas decisões. E na esfera pessoal devemos, sempre que tivermos a oportunidade, buscar aprender com a experiência dos especialistas, seja de forma direta e presencial, seja de forma indireta através de relatos de lições aprendidas!
 
 
*********** Nova Lima, 24 de setembro de 2013, BRASIL

 

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

Decisão: Rápido e Devagar

Responda rápido: uma raquete e uma bola custam R$1,10 no total. A raquete custa R$1,00 a mais do que a bola. Quanto custa a bola?

Se você respondeu R$0,10 ficou na companhia da maioria, porém respondeu errado! Faça as contas com calma e verá que a bola custa R$0,05 e a raquete R$1,05. Mais da metade dos estudantes das prestigiadas universidades americanas Princeton e Michigan cometeram o mesmo erro numa pesquisa. Motivo? Responderam com o Sistema 1, rápido e praticamente automático!

“Claramente as pessoas que responderam a pergunta o fizeram sem nenhum tipo de verificação de sua resposta”, afirma Daniel Kahneman, israelense ganhador do prêmio Nobel de Economia de 2002 por suas contribuições à compreensão do processo de tomada de decisões individuais, área hoje conhecida como Finanças Comportamentais. A maior parte do trabalho de Kahneman tem a coautoria do também israelense Amos Tversky, morto em 1996, vítima de câncer. 

Daniel Kahneman


 “As pessoas não estão acostumadas a pensar com calma e em geral se satisfazem em confiar em uma resposta plausível que venha rapidamente à mente”, continua Kahneman. O problema é que muitas vezes esta primeira resposta é... ERRADA!

Nova pergunta: se uma pessoa recebe R$4.500,00 líquidos por mês e gasta R$1.800,00, quanto ela consegue economizar em um ano?

Se você recorreu a caneta e papel ou a uma calculadora deve ter corretamente respondido R$32.400,00, certo? O Sistema 1 checou a pergunta e viu que esta não era para ele, portanto você deve ter respondido com o Sistema 2, mais lento (em comparação com o sistema 1) e analítico.

Kahneman fala destes dois sistemas e de como muitas vezes tomamos decisões erradas em seu excelente livro “Rápido e Devagar”. No livro ele divide a nossa mente em dois componentes, chamados de sistemas. O sistema 1 toma decisões rápidas, de maneira intuitiva e sem esforço, baseadas em nossa memória associativa (é o Rápido). Já o sistema 2, mais lento, é acionado quando nos encontramos em uma situação que exija concentração (é o Devagar). Não teríamos sobrevivido sem nenhum dos dois! Por exemplo, quando dirigimos um carro na ida e volta para casa, num trajeto familiar, usamos o Sistema 1. Mas se passarmos por uma mudança nesta rotina (como uma mudança de endereço) corremos o risco de errar o destino, “enganados” pelo Sistema 1. Isto me faz lembrar daquelas tragédias frequentes em que um pai esquece o filho bebê dentro do carro, em geral quando teve que mudar sua rotina a pedido da esposa.



Capa de "Rápido e Devagar", de Daniel Kahneman

Isto significa que não devemos usar o Sistema 1 na hora de tomar decisões? Bom, na prática isto seria impossível, pois tomamos diariamente centenas de decisões baseadas nele, a maior parte inconsciente/automática, como por exemplo calçar os chinelos quando nos levantamos da cama. Mas devemos sim ficar atentos às peças que este sistema, no qual se baseia fortemente a nossa intuição, nos prega muitas vezes!

Fontes primárias para esta postagem:

“Não dependa da intuição para tomar decisões”



*********** Nova Lima, 02 de setembro de 2013, BRASIL