Quero ver se toda semana (entre sexta e domingo) faço um post sobre assuntos culturais que me interessam. E quem me conhece sabe que sou APAIXONADO por música, em especial World Music e música eletrônica. Queria então compartilhar com vocês um texto sobre World Beat que eu escrevi em 2003 para uma coluna que eu tinha no rraurl, confiram:
World Beat (publicado originalmente em 03-set-2003 aqui)
World Beat?
Olá, gostaria hoje de falar um pouco sobre World Beat, um estilo/rótulo que acabei de criar. Vamos lá?
Guitarristas africanos tocando funk estilo James Brown? MPB com scratches e efeitos eletrônicos? Filhos de imigrantes indianos misturando bangra com drum'n'bass? Cubanos fazendo Hip Hop em espanhol e falando de temas locais? Produtores de música eletrônica mexicanos usando música caipira local em suas produções ? Fusion, Crossover, World Music, salada, afinal o que é isto e o que todo este povo tem em comum?
Bom, a resposta não é simples e direta, mas vou tentar explicar um pouco. Eu pessoalmente gosto muito de música eletrônica (óbvio!) e também do que se chama por aí de World Music (alguns chamam de música étnica). Uma definição ampla de World Music seria música típica de um país ou região específica, como o Zouk do Caribe, o Fado de Portugal ou o Samba do Brasil.
Ouvindo bastante música dentro destes dois estilos, ali por volta de 97 passei a frequentemente me deparar com músicas que pareciam se encaixar dentro destes dois rótulos. Acho que minha atenção foi inicialmente despertada por três trabalhos:
1. A compilação "Anoka Sounds of the Asian Underground", que o filho de imigrantes indianos Talvin Singh (DJ, produtor de música eletrônica e excelente tocador de tablas, aqueles tamborezinhos típicos da música indiana) lançou em 97 e que é um disco de música eletrônica feito por artistas de origem indiana/paquistanesa onde fica clara a origem étnica e cultural dos produtores;
2. O trabalho da belga de origem egípcia Natacha Atlas, tanto em seus álbuns-solo quando em suas participações no grupo Transglobal Underground (ótimo nome!);
Natacha Atlas
3. O álbum "Rising from the East", do indiano Bally Sagoo, que é DJ e produz trilhas para filmes de Bollywood, centro produtor de filmes na Índia que gera uns 900 filmes por ano! Aliás, tive o prazer de ver Bally se apresentando num clube indiano em Dallas/Texas (creio que foi ali por volta de 98/99) e fiquei de queixo caído e os pés doendo de tanto dançar e pular com tanta música boa e desconhecida para mim;
4. Uma noite fixa (toda sexta-feira) que existia no Al Amir, um restaurante libanês em Dallas e que frequentei assiduamente no período de três anos em que morei por lá (98 a 2001): a partir de meia-noite (e infelizmente só até 2 da manhã) entrava um DJ tocando música árabe para dançar em duas pistinhas, e todo mundo se jogava, da netinha até a vovó!
Desde então passei a ficar mais atento a fusões entre música eletrônica e World Music tradicional vindas de várias partes do Mundo, ou mesmo entre World Music e coisas como Rock, Funk e outros gêneros. Bom, acho que já começa a dar para entender o que chamo de World Beat: World Music para ouvir e dançar, em geral (mas não necessariamente sempre) com uma mistura entre algum ritmo regional e música eletrônica. Esta mistura pode ser uma produção original de um artista ligado a uma região específica (caso do trabalho de Natacha Atlas e Talvin Singh), ou então ser feita por produtores de música eletrônica através de remixes (por exemplo, François K remixando os africanos Femi Kuti e Cesária Évora).
Dentro da atual "onda Lounge", muita coisa de World Beat vem aparecendo, como por exemplo versões eletrônicas de músicas da Bossa Nova. E muitos DJs que fazem eventos "Lounge" costumam colocar tracks de World Beat em seus sets. Além disto, algumas vertentes de World Beat cresceram tanto que ganharam direito a nome próprio, como Asian Massive (nos Estados Unidos, liderados por gente como Cheb I Sabbah e Karsh Kale) e Asian Underground (no Reino Unido, iniciado por Talvin Singh com seu Anokha). Na Argélia e na França, tem um monte de gente fundindo Rai (ritmo típico da Argélia cujo maior expoente é o cantor Khaled) com Hip Hop e Eletrônica num estilo ainda por ser batizado, como Sawt El Atlas, Gnawa Diffusion e Rashid Taha (cujo último disco, "Made in Medina", foi gravado em New Orleans/EUA com vários músicos locais e é um híbrido de Rai com...rock!).
Destaques hoje? Além dos nomes citados, Panjabi MC, que vem há anos sendo sampleado pela turma do Hip Hop americano e que acaba de lançar com muito sucesso seu primeiro álbum, "Beware", Tony Allen, africano que tocou com o falecido Fela Kuti, pai do Afropop, Femi Kuti, filho do Fela e fiel seguidor do pai, porém num estilo talvez mais "moderno", Nitin Sawhney, que sempre evidencia múltiplas influências em todos os seus trabalhos, os holandeses Arling & Cameron, os japoneses do finado Pizzicato Five e principalmente os americanos do Thievery Corporation em algumas de suas produções. Aliás Rob Garza e Eric Hilton, a dupla do Thievery, merece um comentário especial: DJs, produtores, donos do Lounge Club mais chique de Washington (o Eighteenth Street Lounge) e de uma gravadora com nome igual ao do clube e que lança coisas como compilações de música brasileira dos anos 60 ("Sounds from the Verve Hi Fi") e de trilhas de filmes italianos dos anos 60 e 70 ("Easy Tempo"). Seus remixes, álbuns e DJ mixes (o "DJ Kicks" deles é fabuloso) mostram clara influência de música árabe e brasileira, dentre outras. Dentre os latinos, destaco os cubanos do Orishas, o "globetrotter" francês Manu Chao, os venezuelanos Los Amigos Invisibiles (hoje morando em New York), os franco-argentinos do Gotan Project (radicados em Paris) e os mexicanos do coletivo Nortec. Inspirados pela nossa música, lá fora temos Da Lata, Zuco 103, Mo' Horizons (cuja versão em português para o sucesso americano " Hit The Road Jack" - "Pé na Estrada" levanta qualquer pista), Celso Fonseca (cuja "Slow Motion Bossa Nova" virou tema comercial de automóvel por aqui) e mais um mooonte de gente.
Aqui no Brasil também tem muita gente a destacar: Moisés Santana, Anvil FX, Stela Campos e Loop B (todos produzindo a partir de São Paulo), o mineiro Roger Moore, os cariocas Gerador Zero e Superágua, os baianos Tara Code e o novíssimo Quasiduo, o paraibano Chico Correia, o pernambucano DJ Dolores e a Orquestra Santa Massa (aproveito para lembrar da importância de Chico Science e seu Mangue Beat!) o capixaba Zémaria e o pessoal que aparece na compilação "Batida Sossegada Vol. 1" (da novata Bamba Music) e nos remixes da trilha de Cidade de Deus. Quer saber mais sobre esta turma? Tem resenha minha aqui no Rraurl para trabalhos da maior parte destes nomes (tem também do Thievery Corporation e do Cheb I Sabbah).
Para começar a conhecer mais sobre o estilo, recomendo fortemente as compilações da gravadora Six Degrees, dentre as quais as séries "Traveler" e "Travel" (esta última com edições separadas para "Asian", "African" e "Arabian").
Bom, daria para continuar falando por horas desta turma toda, mas acho que já deu para dar uma idéia. Até a próxima!
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Bom, pra quem chegou até aqui, confiram 5 dicas de World Beat contemporânea:
1. Matisyahu - "King Without A Crown" (Israel/Estados Unidos)
2. Shantel - "Disco Partizani" (Romênia)
3. Hakim - "Aboussoh" / حكيم - أبوسه (Egito)
4. Yoshida Brothers - "KODO" 吉田兄弟「鼓動」 (Japão)
5. DJ DOLORES E ORCHESTRA SANTA MASSA - "SANTA MASSA CHEGOU" (Brasil)
***** Ivo Michalick, 01 de abril de 2011, Belo Horizonte - BRASIL
Fala Ivo, bacana saber que você se interessa por música também.
ResponderExcluirVi um post seu falando sobre Lemon Jelly, gostei. Música ambiente mas responsável..rs
Deixa te indicar um clipe muito bacana (em minha modesta opinião ao menos), direção de Michel Gondry. É uma transitar entre a edição digital e tradicional:
http://www.youtube.com/watch?v=Hmpxsk3dHaA&playnext=1&list=PLB3ACE4B847556188
Além do divertido clipe da musica Star Guitar do chemical brothers tb, as paisagens mudam com a música. Uma viagem digital tb:
http://www.youtube.com/watch?v=0S43IwBF0uM
Abraço
Gustavo Teixeira
Fala Gustavo!
ResponderExcluirBoas dicas, o Michel Gondry dirigiu um dos meus filmes favoritos, "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças". E CB é um dos meus grupos preferidos, um dos primeiros CDs de ME que eu comprei foi "Exit Planet Dust", ali por volta de 1995... Música é na verdade minha paixão maior (depois da minha família) :)