segunda-feira, 30 de março de 2020

Sensação de impotência

Não, o título não tem nada a ver com o COVID-19, posso falar disto noutra ocasião, por enquanto já são 14 dias de isolamento social em casa, com a esposa e as duas filhas (7 e 10 anos). Felizmente com um trabalho me ocupando boa parte do tempo pelo menos até o final de abril. A questão é outra, e começou em 06 de março, uma sexta à noite, antes de toda esta confusão do COVID-19 começar pra valer. Vamos lá:

Dou aulas no IETEC desde 2005, a maior parte delas à noite em dias de semana. Costumo ir no meu velho Clio 2001, pelo qual tenho um carinho especial e sobre o qual contei algumas estórias em 2013, quando cometi o erro (corrigido em menos de 24 horas) de colocá-lo à venda. O IETEC fica na Tomé de Souza (em frente ao Relógio do Sol), e como as aulas são depois de 18h e o carro é velho eu paro na rua mesmo, em geral no quarteirão da Inconfidentes entre Cristóvão Colombo e Alagoas ou na própria Tomé de Souza, do outro lado do IETEC, entre Cristóvão Colombo e Pernambuco. Para quem não é de BH e para que vocês entendam melhor esta estória confiram a figura abaixo:



Região da Savassi onde dou aulas e estaciono o carro à noite

O que costuma acontecer em dias de aula é que eu desço a Cristóvão Colombo vindo da Nossa Senhora do Carmo (Eu e meu Clio na figura acima) e estaciono o carro na rua em 99% das vezes (só não faço isto em dias em que não há vagas em nenhuma das duas opções) numa destas opções:

  - Opção a: viro à direita na Inconfidentes e paro do lado direito na primeira vaga que encontro (45o). Lembro que este quarteirão da Inconfidentes é de mão única.

 - Opção b: viro à direita um pouco antes, desta vez na Tomé de Souza (onde quinta à noite tem a moribunda Feirinha da Savassi, portanto neste dia da semana não tenho como usar esta opção), e geralmente estaciono na primeira vaga que encontro do lado esquerdo da rua, também em 45o. Lembro que este quarteirão da Tomé de Souza é (ou pelo menos era, e esta é a fonte da minha sensação de impotência) também de mão única.

Pois bem, nesta noite de 06 de março usei a opção b e parei na segunda vaga disponível em 45o do lado esquerdo de quem vira na Tomé de Souza vindo da Cristóvão Colombo. 

Dei aula (algo que ADORO fazer, em especial para turmas de Pós-Graduação em Gerenciamento de Projetos!) até por volta de 22h30, e quando ainda estou por atravessar a Cristóvão Colombo a pé em direção à Tomé de Souza não vejo o meu carro, mas sim outro carro parado no lugar dele. Meu primeiro pensamento foi: 

"Ah não, roubaram meu Clio!"

Só que ao chegar no local onde parei o carro vi este adesivo pregado no chão:


Não dá para ler direito na figura, mas meu Clio foi rebocado em nome da BHTRANS, por alguma suposta infração de trânsito que eu teria cometido. Na hora fiquei transtornado, mas não é uma boa ficar nesta situação por volta de 22h30 de uma sexta nesta região da Savassi. Chamei um táxi e fui para casa. Chequei nos sites do DETRAN-MG e da própria BHTRANS para tentar entender o que ocorreu, sem sucesso.Fui dormir, pois na manhã do dia seguinte (um sábado) também iria dar aulas.

Cheguei mais cedo no sábado e fui na região onde tinha estacionado meu carro, e lá tirei as fotos a seguir:




Foto 1



Foto 2



Foto 3



Foto 4



Foto 5



Foto 6


Acho que pelas fotos dá para ter uma ideia do que aconteceu, mas vamos lá: em algum momento num passado recente a BHTRANS tornou este quarteirão da Tomé de Souza (entre Cristóvão Colombo e Pernambuco) uma via de mão dupla, tendo porém o bom senso de não permitir conversão à esquerda na Cristóvão Colombo (fotos 1 e 5). Reparem porém nas fotos 2, 3 e 4 que não há NENHUMA sinalização voltada para o lado de quem vem da Cristóvão Colombo indicando que aquele trecho é de mão dupla e que aquelas duas primeiras vagas à esquerda são de estacionamento proibido. Reparem até que nas fotos 3 e 4 tem um carro branco estacionado EXATAMENTE onde eu havia estacionado na noite anterior... Por que então eu tive meu carro rebocado (e fui multado, a autuação chegou hoje, o que me motivou a fazer esta postagem)? Vejam a placa na foto 6, aquelas duas vagas agora são de estacionamento proibido por se tratarem de área de manobra, para que quem venha da Tomé de Souza não tente virar na Cristóvão Colombo e colidir com um veículo vindo na direção contrária... Só que a placa está localizada DEPOIS das duas vagas e virada para o lado de quem vem vem da Tomé de Souza para a Cristóvão Colombo, não tem NENHUMA placa para o lado de quem vem da Cristóvão Colombo entrando na Tomé de Souza. Deu para entender?

Eu falei no título em sensação de impotência, mas é um pouco mais do que isto, vamos lá:

1. Algum profissional da BHTRANS, de nível superior e provavelmente um engenheiro, teve a ideia de tornar aquele quarteirão uma via de mão dupla achando que estava resolvendo algum grande problema de trânsito na região.

2. Esta decisão passou por toda uma cadeia decisória, cheia de profissionais de nível superior, e algum supervisor, gerente ou diretor dentro da BHTRANS resolveu implantá-la.

3. Na implantação foram colocadas várias placas de sinalização, algo que também deve ter sido planejado por pelo menos um profissional de nível superior e envolvido profissionais, provavelmente terceirizados, que foram obrigados a seguir o plano definido por este profissional quando a sinalização foi instalada. Imagino até que algum destes terceirizados deve ter dito algo como:

"Uai chefe, não tão faltando umas placas viradas pro lado de quem vem da Cristóvão Colombo logo depois da virada para a Tomé de Souza?"

E aí um supervisor deve ter mandado ele calar a boca e fazer o serviço conforme o plano...

4. Não sei em que data isto aí em cima aconteceu, mas em 06-mar profissionais da BHTRANS, pagos para planejar e fiscalizar o NOSSO trânsito, vão fazer uma fiscalização neste quarteirão e decidem que meu carro e o do lado dele estão estacionados de forma irregular e decidem rebocar e autuar os dois. Mais uma oportunidade perdida por profissionais do órgão que deveria organizar o nosso trânsito para notarem que a sinalização do local estava deficiente!

E quem pagou o preço por tudo isto? Eu e o dono do outro carro que foi rebocado naquela noite, e provavelmente muitos outros motoristas que pararam numa destas duas vagas, antes e depois daquela data. Entenderam a sensação de impotência? Um MONTE de profissionais pagos com o suado dinheiro dos nossos impostos trabalhou mal, nenhum deles se opôs a um plano claramente errado e eu (e provavelmente vários outros contribuintes) arquei com as consequências de perder algumas horas indo ao pátio do DETRAN-MG, pagar uma taxa de R$328,90 (fora o táxi de ida mais o tempo perdido nesta tarefa) para retirar meu carro e ainda receber uma multa de estacionamento proibido associada a este evento, com a consequente perda de pontos na minha CNH (que pelo menos está zerada).

Dá vontade de perguntar: 

"Ô Kalil, tem base um troço destes?!"

Falei de impotência, mas o que me lembrei mesmo outro dia foi uma das estórias contadas no filme argentino "Relatos Selvagens". Não assistiu? Pois recomendo fortemente, principalmente neste momentos de isolamento social e quando você estiver se sentindo impotente ou muito P da vida! Ah, e a estória do filme da qual me lembrei é justamente a que tem como protagonista meu ator argentino favorito, Ricardo Darín, interpretando justamente um engenheiro... Confesso que me consolei ao menos um tiquim pensando em fazer o que ele faz no final da estória dele no filme!



"Relatos Selvagens", filme argentino dirigido por Damián Szifron

E se alguém da BHTRANS me leu até aqui não se preocupe, pois não é do meu feitio resolver meu problemas através de ameaças ou violência. Acredito fortemente no poder da argumentação e das palavras.

Um abraço e procure cuidar de você e sua família seguindo à risca as orientações das autoridades médicas!

*** Belo Horizonte, 30 de março de 2020 (14 dias de isolamento social)