segunda-feira, 10 de abril de 2023

Inteligência Emocional, Depressão, Tchê Tchê, Marcelo, Fernando Diniz e nós

 Neste domingo o Fluminense se sagrou bicampeão carioca de futebol ao derrotar o Flamengo por 4 a 1 no Maracanã, depois de perder o primeiro jogo por 2 a 0. Por conta dos meus estudos sobre inteligência emocional eu gostaria de destacar dois nomes nesta conquista, mais um que não participou dela, vamos lá:






Em termos de futebol não há muito o que se discutir. Marcelo atuou no Real Madrid por 15 anos a partir dos 18 anos de idade. No dia 30 de abril de 2022, com a conquista de La Liga (Campeonato Espanhol), Marcelo ultrapassou Paco Gento e se tornou o jogador que mais vezes foi campeão com a camisa do clube, com 24 conquistas, incluindo 5 títulos da Liga dos Campeões da UEFA, talvez o título mais importante no futebol depois da Copa do Mundo.

Quem acompanha a carreira do Marcelo sabe que em seus últimos anos no Real ele ficou na reserva, mas mesmo assim foi capitão do time (o que na Europa é um reconhecimento de liderança) em vários jogos, sempre era visto no banco, nos treinos e no vestiário incentivando os companheiros e nunca reclamou da reserva usando sua história no clube como argumento (que por sinal é inválido). Marcelo é um cara que sempre esbanjou Inteligência Intrapessoal, o que explica estes comportamentos, o fato de ter conquistado tanto no futebol e ainda mostrar querer mais. Também, por conta da sua liderança, mostra também uma Inteligência Interpessoal bem elevada.

Aos 34 anos Marcelo voltou para o Brasil para atuar no Fluminense, clube que o revelou. E aí, já no seu seguindo jogo, faz em campo o que fez ontem, parecia um garoto esbanjando vitalidade e dando diversos exemplos de tomadas de decisão em modo instantâneo que só grandes craques conseguem exibir. Por tudo isto e muito mais sempre fui fã dele, que por sinal também jamais reclamou por deixar de ser convocado para a seleção brasileira (que para mim, desde os 7 a 1 em 2014, é como se não existisse mais, mas isto é outra estória), outro ótimo exemplo de Inteligência Intrapessoal.



Aqui há muita discussão em termos de futebol. Diniz (49 anos, mineiro de Patos de Minas) ganhou ontem junto com Marcelo o Campeonato Carioca, seu primeiro título relevante desde o início da carreira como treinador em 2009 no interior de São Paulo. Como treinador (ele também foi jogador) Diniz sempre adotou em suas equipes um estilo de jogo incomum para a época, baseado em passes curtos e rápidos, jogadores sem posição definida e valorização das jogadas individuais para criação de situações de gol. Isto o levou a um vice-campeonato paulista em 2016 pelo recém-criado Audax de Osasco, perdendo a final para o Santos por 1 a 0 mas chamando muita atenção pelo estilo de jogo adotado.

Desde aquela época Diniz passou por diversos clubes (14 pelas minhas pesquisas), incluindo São Paulo, Santos, Athletico do Paraná e Vasco da Gama, além de duas passagens pelo Fluminense, incluindo a atual. Nunca engrenou pra valer, mas sempre se manteve fiel ao seu estilo de jogo, porém buscando aperfeiçoamentos (boa Inteligência Intrapessoal). Sua paixão pelo futebol e pelo trabalho porém já o deixaram em situações difíceis, como a discussão que teve na beira do campo com seu jogador Tchê Tchê (que foi jogador de Diniz nos tempos do Audax) durante jogo do São Paulo (seu time na época) contra o Red Bull Bragantino em 6 de janeiro de 2021, confiram:


Neste mesmo jogo Tchê Tchê (na foto) foi expulso no segundo tempo ao acertar uma cotovelada em Cuello, jogador do Red Bull, o que acho que não foi coincidência.

Esta discussão foi de certa forma o pivô da saída de Diniz do São Paulo. O curioso é que os jogadores dos times dele (incluindo o próprio Tchê Tchê) sempre o admiraram e respeitaram muito, mas está claro que ele tem pontos a melhorar na sua Inteligência Interpessoal, em especial na Gestão de Relacionamento (busca das melhores formas de nos relacionarmos com as outras pessoas). Neste episódio com Tchê Tchê, Diniz, que também é formado em Psicologia, não percebeu o momento difícil que Tchê Tchê estava passando, confiram:





Trecho (as falas são de Tchê Tchê, e os negritos foram destacados por mim)

"No começo da minha passagem pelo São Paulo, eu levantava de manhã pra ir treinar, mas não tinha vontade. Nem de treinar, nem de jogar, tá ligado? Fui ficando sem ânimo pra fazer as coisas, não queria sair de casa. O sofá e o colchão da cama me sugavam como se fossem areia movediça. Eu só afundava e chorava. Chorava o tempo todo.

"(...) Depois de cinco meses só saindo de casa pra treinar e jogar, um dia fui ao cinema com a minha esposa. Foi difícil e estranho estar no meio das pessoas. Eu achava que me olhavam, sabiam que eu sofria de depressão e pensavam “mas que frescura”.

"Tem muita gente que acha que depressão é frescura. Não é.

"A galera olha pra gente, jogador profissional, e só enxerga o carro, a casa, o salário, as taças", escreveu ao Players Tribune, plataforma onde os jogadores escrevem o que viveram, nas suas palavras.

Tchê Tchê foi claro o quanto a bronca pública de Fernando Diniz fez mal a ele.

"Não foi um negócio saudável pra mim. Fiquei com muita raiva, uma raiva incontrolável. No final das contas eu agi da maneira certa e as coisas continuaram dando certo pra mim. Eu não precisava virar para o cara e xingar.

"Eu não fui criado assim. Do mesmo jeito que eu não sou um ‘mala’, eu não sou um cara desrespeitoso. O cara (Diniz) me conhecia, tinha uma ligação forte, então acho que foi uma coisa desnecessária."

Diniz reconheceu seu erro e se desculpou publicamente, ainda como treinador do São Paulo, confiram:


"Foi resolvido internamente. Foi uma exposição. Já conversei com o Tchê Tchê separadamente, com o grupo e nós temos que andar para frente. Foi um erro que eu cometi em ter exposto o Tchê Tchê. Já pedi desculpas para ele e para o grupo. Acabei expondo o time pela forma como eu agi. É olhar para frente. É o momento de crescermos como time. Aquele momento serve para isso." (10-jan-2021)

Tchê Tchê e Fernando Diniz

Isto e para mim isto só me faz admirá-lo ainda mais, afinal ele reconheceu em público suas imperfeições e se esforçou para melhorá-las. Mas reconheço que isto não serve de consolo para o Tchê Tchê.

Marcelo, Fernando Diniz, Tchê Tchê, eu você, somos seres humanos e por isto imperfeitos. Cabe a cada um de nós a decisão de buscarmos, todos os dias, reconhecer nossos erros e tentar nos tornarmos pessoas melhores, um pouquinho de cada vez, sempre aceitando que de vez em quando vamos dar umas escorregadas. Não podemos nos esquecer disto!


*** Belo Horizonte, 10 de abril de 2023.