segunda-feira, 5 de junho de 2023

A intensidade de Abel Ferreira

"Eu sou um treinador intenso dentro das quatro linhas." (Abel Braga em entrevista depois de um jogo do Palmeiras em 03-jun-23. Fonte: Portal UOL.


Depois de falar de Fernando Diniz, Tchê Tchê e Marcelo, volto a falar sobre um personagem do futebol à luz da Inteligência Emocional. Desta vez escolhi Abel Ferreira, técnico do Palmeiras.

Para quem não acompanha o futebol brasileiro de perto, Abel Ferreira é um treinador português de 45 anos que treina o Palmeiras desde outubro de 2020 e que se tornou o maior ganhador de títulos relevantes da história do clube, incluindo duas Libertadores, um Brasileirão, uma Copa do Brasil e dois campeonatos paulistas.

Não há como criticar Abel do ponto de vista de resultados obtidos. Além disto ele tem se mostrado, como Fernando DIniz, um grande "gestor de elenco" (detesto esta expressão, mas foi a que pegou). E também como Fernando Diniz ele demonstra profundo conhecimento sobre tática do esporte, o que ao lado do excelente elenco do Palmeiras ajuda a entender a trajetória de vitórias do clube com Abel como treinador.

Só que tem algumas coisas em Abel que me incomodam, provavelmente porque de certa forma me vejo refletido nelas, e a entrevista acima meio que resume todas estas coisas (assistam por favor, são pouco mais de três minutos), vamos lá:


1. Arrogância: ele fica conversando de forma irônica com os jornalistas, tentando dizer a estes o que deveriam perguntar a ele. Aprendi que a ironia deve ser evitada em comunicações de trabalho, pois ou não é compreendida ou passa para os outros uma percepção de que quem a usa se acha superior. É ruim dos dois jeitos.

2. "Os outros também fazem": justificar o próprio erro apontando os erros dos outros nos mantém numa zona de conforto e nos impede de melhorar.

3. Síndrome de Gabriela e Período Refratário: 

“Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou mesmo assim, vou sempre assim…Gabriela!”.  

Este trecho de uma música escrita por Dorival Caymmi e interpretada por Gal Costa que fez sucesso na TV na década de 1970 por conta de uma novela da Globo resume bem o que ficou conhecido como "Síndrome de Gabriela". Prestem atenção no que Abel fala no início de sua entrevista quando comenta sobre sua "intensidade" (que para mim não é nada mais do que falta de controle emocional).


Abel Ferreira (Reprodução/Globo)

Abel é chiliquento e tenta nos convencer de que isto é normal. Seu comportamento à beira do campo e muitas vezes depois dos jogos, em especial nas entrevistas, sempre me lembra este excelente desenho do Pateta:




Como o Pateta ao entrar no carro, Abel ao entrar na beira do gramado entra em "período refratário" (que neste texto explicando o fenômeno eu chamei de "burrice temporária", falo sobre isto no módulo 2.1 - Controle Emocional do meu curso Melhore! de capacitação em Power Skills.


4. "Ninguém fala do meu livro": ele passa a maior parte do tempo de suas entrevistas dentro do que é conhecido como "Triângulo Dramático de Karpman", transitando o tempo todo entre os papéis de PerseguidorSalvador Vítima. Falo mais sobre isto no módulo 5.3 do Melhore!.

Especificamente sobre o livro dele: precisava dizer que já vendeu mais de 100.000 exemplares e rendeu N milhões para instituições de caridade? Quando fazemos o bem não precisamos dizer isto pra todo mundo e exigir reconhecimento, isto tira a nobreza do ato e é sinal de Narcisismo.


Durante muito tempo eu pensei como Abel na questão da Síndrome de Gabriela, e vivia a maior parte do tempo dentro do Trângulo de Karpman. Até que um dia entendi que não preciso mudar a minha essência, mas devo, em especial à minha esposa, filhas e equipe de trabalho, buscar SEMPRE ser uma pessoa melhor, caso contrário corro risco de perdê-los. Mesmo porquê, como diz Marshall Goldsmith no título de um dos seus melhores livros, cuja leitura recomendo:




Para nossa reflexão final: 

1. Será que o Palmeiras ganhou tantos títulos desde 2020 graças a Abel Ferreira, ou seria apesar dele? Acho importante lembrar que o Palmeiras possui um dos elencos mais caros do Brasil, a melhor estrutura de apoio (departamento médico, centro de treinamentos, nutricionista e agora até um avião fretado para viajar para jogos fora de São Paulo) e todo ano revela grandes jogadores vindos de suas categorias de base.

2. Você gostaria de ver Abel Ferreira treinando a seleção brasileira? Já adianto que a minha resposta, HOJE, é não. Eu o vejo como extremo oposto do "robô" Tite, que até parece o ChatGPT treinando um time de futebol, sem mostrar um mínimo de flexibilidade para reagir a situações inesperadas dentro de campo. Para mim a virtude está no meio, e se pudesse escolheria Fernando Diniz, que além de ser um excelente treinador tem humildade para reconhecer seus próprios erros, como fez quando se desculpou com Tchê Tchê.


*** Belo Horizonte, 05 de maio de 2023.