sexta-feira, 24 de junho de 2011

13.342.346.717.617,70%!

13 trilhões, trezentos e quarenta e dois bilhões, trezentos e quarenta e seis milhões, setecentos e dezessete mil, seiscentos e dezessete vírgula setenta por cento! Esta foi a inflação oficial acumulada no Brasil no período de dezembro de 1979 a julho de 1994. Neste período da minha vida eu ingressei no mercado de trabalho, comprei meu primeiro carro, depois comprei meu primeiro apartamento (financiado) e quase tive um troço quando veio o Plano Collor e minha reserva foi congelada de forma abusiva, traumática, violenta e arbitrária pelo Governo Federal.

Naquele período tivemos:

  • 16 Ministros da Fazenda
  • 18 presidentes do Banco Central
  • 6 moedas
  • 9 zeros cortados na moeda (equivale a dividir a moeda de 1979 por um bilhão)
  • Divisão da moeda por 2.750 (chegada do Real)
  • Dois calotes externos
  • Um calote interno

Eu, como brasileiro interessado na nossa história em geral e na história recente (que eu vivi) em particular, li vários livros sobre o assunto, de autores como Luís Nassif, Guilherme Fiuza, Joelmir Beting, Gilberto Dimenstein, Fernando Henrique Cardoso, Vinod Thomas e Fabio Giambiagi. Todos excelentes, mas nenhum apresentou de forma tão clara, concisa e fácil de ler o que foi o nosso processo de controlar o dragão inflacionário e alcançarmos uma moeda (o nosso Real) digna do nome. Miriam Leitão, em seu recém-lançado livro “Saga Brasileira”, conseguiu isto!

Antes de mais nada, devo confessar que sou grande fã da Miriam: para mim ela faz parte de um time de poucos jornalistas, como Gilberto Dimenstein e Joelmir Beting (hoje sumido, infelizmente), que me ajudam a entender o que se passa com o nosso país...  E pagam muitas vezes um preço caro por isto, muita gente pensa que a Miriam “é do PSDB e contra tudo o que for do PT”, quando na realidade ela está ao nosso favor, entendendo e explicando o que se passa no país, e por fazer isto no calor dos acontecimentos podendo sim incorrer em algum erro ocasional.

Eu ia lendo as mais de 400 páginas de conteúdo do livro e me lembrando da minha situação pessoal na época, como por exemplo nestes três momentos:

·         Fevereiro de 1986 – Plano Cruzado: eu ainda fazia estágio, meu primeiro contrato de carteira assinada (ainda como estudante) foi assinado logo depois, em abril, um salário de 3.200,00 cruzados por 20h de trabalho semanais.  Como boa parte dos brasileiros eu fui pra rua defender meu salário, acreditei muito nas palavras do falecido ministro Dilson Funaro, foi a primeira de muitas decepções que tive com os Planos Econômicos. Não adiantou nada, três anos depois (1989) a inflação anual bateu em quase dois mil por cento: algo que custasse cinco dinheiros no início de 1989 custava em média pouco mais de 100 dinheiros no início de 1990...

·         Março de 1990 – Plano Collor: eu tinha um salário em carteira de 49.949,06 “dinheiros”, estava pagando o financiamento de um apartamento na planta comprado em 1989 e aí Zélia e seu bando de tresloucados cometeram o maior calote da história do Brasil, atingindo diretamente a mim e a toda população economicamente ativa da época, em muitos casos de maneira irreversível. Passei muita raiva, mas tentei acreditar. Foi inútil, a inflação do ano fechou em 1.620,96%, e em 1993 ela se “estabilizou” (e teve muita gente séria que usou este verbo na época para se referir a ela) em algo próximo de 30% ao mês, fechando o ano em 2.477,15%, a maior de todo o período da saga. Chequei as anotações de alteração de salário em minhas carteiras de trabalho antigas, e me lembrei que um dia fui “milionário”: meu salário em 1-out-1992 chegou a incríveis 8.5 milhões de “dinheiros”! 





Um ano depois havia “caído” para míseros 111 mil... Era praticamente impossível a gente ter noção de valor das coisas naquela época, tudo tinha que ser indexado e referenciado a alguma outra moeda (quase sempre o dólar) ou índice.

·         Julho de 1994 – Plano Real: logo no início eu senti que a coisa poderia ser diferente, Fernando Henrique (ministro da Fazenda do então Governo Itamar Franco) e equipe criaram a URV e estavam a toda hora na imprensa tentando explicar a transição na moeda e dizendo a todos que não ia haver calote.  Meu salário foi de 630.350,37 “dinheiros” em fevereiro de 1994 a 1.145,33 URVs, a “quase moeda” que fez tão bem a transição para a nossa moeda definitiva, o Real, lançado em julho de 1994.

De julho de 1994 a dezembro de 2009 a inflação acumulada no período foi de 196,87%. Dizendo de outra forma, tivemos nestes pouco mais de 15 anos uma inflação acumulada MENOR que inflação no bimestre fevereiro-março de 1990, que foi de cerca de 221%...

Destaco como pontos fortes do livro:

  • Uso intensivo de reportes testemunhais, de brasileiros comuns submetidos a situações incomuns e tendo que lidar com a situação;
  • Mostra, para cada plano econômico lançado no período, o que este teve de bom e de ruim. Isto reforça uma teoria pessoal na qual considero que o Brasil, de uns 20 anos para cá, está evoluindo (mas precisa acelerar este processo!);
  • Levanta na parte final a importância de, ao mesmo tempo, lutarmos para que o dragão não volte, e nos ocuparmos dos temas que hoje impedem uma aceleração do nosso desenvolvimento, com destaque para nossos desafios na educação!



Não leu ainda? Se for brasileiro pare o que está fazendo agora e vá tratar de ler, principalmente se você tiver menos de 25 anos, e portanto era jovem demais para entender o prejuízo que o dragão da inflação trouxe para o nosso país. E se você é profissional de projetos, imagine como devia ser fazer projeto naquela época, com tamanha inflação e sem Internet ou celular...

Saiba mais:


Detalhes técnicos:

Título: "Saga Brasileira
Editora Record, 476 páginas
1ª. Edição, 2011



***** Ivo Michalick, 24 de junho de 2011, Belo Horizonte - BRASIL

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