O líder de uma equipe de bombeiros
entra numa casa em chamas e manda a equipe iniciar os trabalhos. Ao direcionar
a água da mangueira principal na direção do fogo localizado na cozinha, ele
nota algo estranho: o fogo não diminui, e até parece aumentar. Ele e sua equipe
recuam por alguns segundos, e então o líder decide ordenar a saída imediata da
equipe sem que o fogo tenha sido contido. Poucos segundos depois o piso da casa
desaba e é engolido pelo fogo que estava concentrado no porão.
(Adaptado da descrição de uma situação real feita por Gary Klein em seu livro "Sources of Power: How People Make Decisions" .
Gary Klein
Gary Klein afirma em seu livro que a intuição depende do uso da
experiência para o reconhecimento de padrões relevantes que indicam a dinâmica
de uma situação. O líder dos bombeiros na situação acima se baseou em sua experiência
para detectar uma série de inconsistências naquela situação, como:
·
Apesar
de não saber da existência do porão, assim que o fogo não reagiu como esperado
ele começou a imaginar (ou seria intuir?) porque o fogo não reagiu conforme
esperado (ausência de um padrão esperado).
·
O
ambiente na sala estava muito mais quente do que o esperado no caso de um
pequeno incêndio na cozinha de uma residência.
·
Estava
tudo muito quieto. Incêndios são barulhentos, e para um incêndio com tal
quantidade de calor ele esperava muito mais barulho.
O padrão observado não se encaixava com a percepção inicial. Suas
expectativas não se confirmaram, e o líder de bombeiros percebeu que não sabia
exatamente o que estava ocorrendo e por isto ordenou a evacuação.
O mais curioso é que quando Gary Klein entrevistou o líder dos
bombeiros este atribuiu sua decisão a uma espécie de “sexto sentido”,
necessário a todo bom líder deste tipo de profissionais.
Klein desenvolveu a partir destes e outros estudos um modelo de processo
decisório que ele chamou de modelo de
tomada de decisão baseado em reconhecimento inicial (minha tradução para a
expressão original em inglês, que é recognition primed decision making model),
daqui para a frente chamado de RPD (expressão cunhada por Gary Klein).
O modelo RPD identifica como possível resposta a um processo decisório
a primeira alternativa considerada. A partir desta alternativa o decisor:
·
Verifica
se, com base em seu conhecimento e experiência, a alternativa é plausível. Caso
não seja ele deve buscar uma segunda alternativa e reiniciar o processo.
·
Caso a
alternativa faça sentido, ele avalia seus impactos no processo com base na
imaginação, considerando qual deverá ser o curso de ação caso a alternativa
seja implementada. Quando descobre uma falha ele abandona a alternativa e passa
a buscar outra.
Em outras palavras, no modelo RPD decidimos optando pela primeira
alternativa viável, ao passo que nos modelos tradicionais decidimos buscando a
melhor alternativa dentre várias levantadas, e portanto em geral o modelo
tradicional é mais demorado. Por outro lado o modelo RPD se baseia fortemente
na intuição (na visão de Klein) ou no Sistema 1 (na visão de Kahneman), e portanto pode
muitas vezes induzir ao erro. Por isto recomenda-se o uso do modelo RPD nas
seguintes condições:
1.
Somos experts no domínio de conhecimento em
cima do qual a decisão precisa ser tomada. E por expert aqui estamos falando em alguém que possua vários anos de
experiência na área e neste período tenha vivenciado uma grande diversidade de
situações semelhantes e aprendido com elas.
2.
A
decisão precisa ser tomada quase que de imediato, do contrário o custo de não
escolher e agir pode ser muito alto.
Pesquisas de Gary Klein demonstram uma distinção crítica entre
especialistas e iniciantes quando colocados diante de situações recorrentes:
especialistas decidem rapidamente porque conseguem associar a situação atual
com alguma situação passada por eles vivenciada, ao passo que iniciantes, não
contando com este recurso, precisam analisar diferentes alternativas em busca
de alguma que resolva a questão, e por não possuírem experiência real muitas
vezes precisam recorrer a um processo de tentativa e erro.
Quanto maior a pressão da situação menos importante passa a ser a
melhor alternativa (que mesmo com base em métodos de decisão tradicionais
possui um componente subjetivo), e mais importante passa a ser uma alternativa
que resolva a situação, qualquer que seja esta.
Mas e se em um projeto com vários pontos de decisão de alta criticidade
não pudermos contar com experts nos
momentos de decisão? Klein tem uma possível resposta para isto, que é
desenvolver um programa de treinamento baseado em situações reais, de forma a
“acelerar” o processo de aprendizagem, algo que vários cursos de MBA adotam
através do uso de jogos empresariais. E isto não é tão inovador assim, afinal
há vários anos astronautas são treinados em simuladores antes de partirem para
missões espaciais de verdade. Devemos ainda sempre buscar analisar
posteriormente a qualidade das nossas decisões, realimentando o processo de
forma a melhorar cada vez mais a qualidade de nossas decisões. E na esfera
pessoal devemos, sempre que tivermos a oportunidade, buscar aprender com a
experiência dos especialistas, seja de forma direta e presencial, seja de forma
indireta através de relatos de lições aprendidas!
*********** Nova Lima, 24 de setembro de
2013, BRASIL
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